O CINEMA E A TRANSMISSÃO DE IDEOLOGIAS

O CINEMA E A TRANSMISSÃO DE IDEOLOGIAS


Escrito  em 1999. (com pequena atualização em 2012)


Antes, vê-se que existe uma estreita relação entre o cinema e a ideologia. Aquele, como meio de comunicação de massa a transmite. Mas, antes de dissecarmos essa relação, iniciaremos uma breve explicação sobre o fenômeno ideológico. O que ele é? Como atua? A que fins e a quem ele serve?

Ideologia significou o conjunto das idéias de uma pessoa ou de um movimento ou grupo. Porém, foi-se descobrindo com o tempo que as idéias não correspondiam à realidade das coisas: ninguém raciocina perfeitamente. Surgiu, assim, o emprego atual da palavra “Ideologia”, como “uma série de opiniões que não correspondem à realidade” (LYRA FILHO, 1982:15), levando à falsa consciência. Ela faz com que qualquer outra posição ou idéia seja inconcebível, originada por burrice ou falta de caráter de quem mantém tal posição ou idéia. A ideologia, assim, cria modelos que devem ser seguidos. Padrões que quando não observados tornam quem não os pratica alvo de desconfiança e sanções.

Assim, raciocinamos a partir da ideologia, mas não sobre ela; é ela uma cegueira parcial da inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram. A questão da propaganda, da divulgação de uma ideologia é fundamental à sua sobrevivência. A ideologia não é absorvida ou definida por este ou aquele sujeito, não é por ele criada, mas recebida. Um exemplo claro de ideologia é o machismo: homem não chora, lugar de mulher é na cozinha.

Como observa a filósofa Marilena Chauí, é a ideologia “um império das idéias para escamotear o império dos homens sobre outros”. Ela, portanto, tem papel fundamental para a manutenção da exploração de uns homens sobre outros, de uma classe sobre outra. Ela faz com que o “aparecer social” seja tomado como o “ser social”. Propaga um ponto de vista de uma classe e o toma como se fosse universal, dando, portanto, uma falsa homogeneidade ao social, ou uma aparência de homogeneidade.

Já se dizia, também, que um dos grandes truques da ideologia é atribuir ao “natural” algo que provém do “social”, isto é, da divisão do homem em classes.

Prega-se que as câmaras de vereadores, assembléias legislativas e o Congresso Nacional, por exemplo, constituem a “casa do povo”, e que lá os interesses dos cidadãos de bem são defendidos. Entretanto, fugindo do discurso da representação política, o que se tem visto na prática é o predomínio dos interesses particulares (vereadores, deputados, senadores, seus familiares, amigos...) sobre os interesses da sociedade como um todo. A quem serve um deputado, principalmente? A si mesmo e a seu partido, ou ao povo? No discurso eleitoral, vemos vários candidatos e partidos afirmando lutar unicamente pelo bem da população, que esse é seu objetivo, etc. Ideologia. Um discurso mentiroso. Membros do legislativo são muito bem remunerados, possuem várias verbas e cargos à sua disposição, além de privilégios como auxílio moradia, passagens aéreas, sem falar de privilégios jurídicos em função do cargo eletivo que ocupam. Todos desfrutam de padrão de vida material confortável, n vezes acima da média nacional. Aí, fica a pergunta: eles servem à sociedade, ou é a sociedade que serve a eles? Quem dá mais a quem? A idéia de que o Estado representa toda a sociedade e serve a todos é uma das grandes forças ideológicas vistas em países periféricos, como o Brasil.

Constitui o discurso ideológico, assim, uma das grandes forças para legitimar a dominação dos dominantes.

Mas, como vimos, precisa a ideologia de meios de propagação, meios de comunicação, para exercer domínio nas mentes. E que meios de comunicação são esses? Ora, todos os possíveis. O homem é um ser ideológico. Sua comunicação é, pois, ideológica. As mensagens estão impregnadas de conteúdo ideológico, bastando transmiti-las. A voz, a tinta, os jornais, o rádio, a TV, todos eles servem, potencialmente, à ideologia. Inclusive o cinema, que é o objeto de nosso estudo.

Com o cinema multidões entram em contato. É ele “a arte do século XX”, por excelência. Desde o início, seu potencial propagandístico e ideológico foi percebido pelas classes e nações dominantes, como forma de manutenção e expansão da dominação. A correspondência das imagens próprias à câmera do cinema com a “vida ao vivo” (existência de movimento e, mais tarde, sons e cores) facilita e muito a transmissão de falsas crenças e modelos. É mais fácil ao grande público assimilar uma mensagem pelas imagens e sons do que somente pela leitura.

Um dos primeiros filmes a trazer forte conteúdo ideológico foi O Nascimento de uma Nação (Birth of a Nation, 1915), de D. W. Griffith. Traz o filme forte conotação racista e de propaganda política ao abordar a guerra de secessão dos Estados Unidos. Aliás, tem a política, no cinema, um dos seus principais veículos de divulgação. Outro que se destacou foi O Encouraçado Pontemkim (1925), de Sergei Einsenstein, que faz propaganda da revolução russa e, por extensão, do socialismo soviético. Hitler teve a ajuda do cinema para implantar e manter o nazismo na Alemanha das décadas de 30 e 40.

Porém, o que ocorreu após a Primeira Guerra Mundial foi a concentração da produção cinematográfica em um país: Os Estados Unidos, que criou grandes estúdios e dominou não só a produção, mas também a distribuição e comercialização de filmes. A década de 20 consolida a indústria cinematográfica norte-americana. Os Estados Unidos usaram o cinema como meio de transmissão de ideologias como poucos países. Dividimos esta transmissão em três momentos, que se relacionam com os momentos históricos vividos pelo país.

Até o final da Segunda Guerra Mundial, o cinema americano, ligado ao estrelismo, buscava transmitir as vantagens do american way of life. Hollywood vive seus anos de ouro em 1938/1939, anos em que surgem superproduções como A Dama das Camélias, ... E o Vento Levou, entre vários outras. O cinema, desse modo, tem papel fundamental na transmissão de um modelo a ser seguido: o american way of life, o modo de vida americano. E, por extensão, papel na manutenção da dominação: o mundo passa a ver a cultura americana como a melhor.

Com o fim da guerra, tem início outro conflito: a Guerra Fria. E logo começa nos Estados Unidos a produção de filmes voltados à crítica pesada ao socialismo soviético. Estereotipam os soviéticos como ateus, maus, comedores de criancinhas; e seu regime comunista como ameaçador e subversivo. Durante a “caça às bruxas”, no começo dos anos 50, inclusive, vários cineastas que atuavam nos Estados Unidos (fossem norte-americanos ou não) foram perseguidos acusados de comunistas ou simpatizantes dos mesmos. Suas obras foram fiscalizadas e censuradas pelo governo. O caso mais emblemático seja, talvez, o do inglês Charles Chaplin, que se viu “convidado a retirar-se” do país sob acusação de ser comunista.

Mas no ano de 1989 presenciou-se a queda do muro de Berlim e, logo após, a desagregação da União Soviética. Ia ao fim a Guerra Fria, levando consigo o comunismo. O cinema norte-americano, acompanhando o processo histórico, retratou a vitória de seu país. Os filmes após esse período tratam dos Estados Unidos como o “salvador do mundo” ou a “polícia do mundo”, mas sempre, como líderes contra aqueles que ousam tentar mudar a ordem atual. Fica inabalada a confiança dos norte-americanos. É o que se verifica em superproduções de grande sucesso de bilheteria, como Independence Day (1995), de Roland Emmerich, e Air Force One (1997), de Wolfang Petersen. Se a Terra é invadida por aliens malvados, a quem podemos recorrer? Ao Tio Sam, of course, que providenciará a salvação do mundo. Só alienígenas mesmo são capazes de desafiar o país: ameaça terrena, de outro país, outro regime, não há. Em Força Aérea Um, o presidente dos Estados Unidos, com seus próprios punhos, mostrando bravura, luta contra terroristas russos que seqüestram o avião presidencial.

De qualquer modo, percebe-se que um ataque aos Estados Unidos sinaliza um ataque ao planeta todo (daí o fato da ideologia pegar uma parte, para transformá-la no todo, através do discurso).

Mas os atentados terroristas de 11 setembro de 2001 redesenharam a geopolítica internacional. Como resposta aos atentatos, seguiram-se os confrontos com a rede terrorista Al Quaeda e seu chefe Osama Bin Laden, e a invasão do Afeganistão e do Iraque. No que isso vai dar, ainda veremos.

É esse um breve histórico de como a ideologia foi e vem sendo usada para a manutenção do domínio norte-americano.

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