Crítica de Filme - AMORES IMAGINÁRIOS



Amores Imagináriois (Lers Amours Imaginaires). Canadá, 2010. De Xavier Dolan. Com Monia Chokri, Niels Schneider e Xavier Dolan. Dois amigos, Francis e Marie, se apaixonam pelo mesmo cara: Nicolas.


Música, cor e câmera lenta ajudam a transportar a outro domínio


Se “Amores Imaginários” pode ser resumido, é na sua frase inicial: “A única verdade é o amor para além da razão” (Alfred de Musset).

Também, nos depoimentos que se seguem: jovens contam, em tom de falso documentário, situações e idéias sobre relacionamentos – ou relacionamentos que não aconteceram. Chovem pensamentos sobre amor, namoro, “fica”, sexo, todos eles abordados de forma aberta por uma geração que explora os limites do relacionamento a dois.

Tais depoimentos continuam intercalados no decorrer do filme, misturando pessoas alheias que, no fim das contas, passam pelas mesmas peças que o amor prega a nós e aos três personagens principais do filme. Os personagens, tal como eles, são gente de carne e osso, cujos sentimentos e intimidade são intensamente explorados e que revelam, cada um, um pouco das angústias e ansiedades de uma juventude que quer amar, curtir e se expor. Marie, Francis e Nicolas podiam muito bem contar o que vivenciaram através daqueles depoimentos. Ou um daqueles depoimentos poderia transformar-se em longa-metragem.

Certamente o espectador se identificará com situações vividas pelos personagens, a ponto de exclamar: foi exatamente isso que aconteceu comigo! Claro que esse efeito não se dará sobre todos, mas dificilmente alguém ficará inerte ao que vê. Méritos ao roteirista, diretor e ator canadense Xavier Dolan, que fez o filme quando tinha apenas 21 anos. Seu filme é tão sensível que só pode ter sido feito por alguém que, imagino, vivenciou muitas experiências afetivas, e nunca por, digamos, um diretor contratato por um estúdio de Hollywood para dirigir uma produção comprometida, precipuamente, com o lucro.

Como explicar o amor, a paixão? Como escreveu Alfred de Musset, isso não é possível; pois o amor está para além da razão. Só depois que você “cai na real” ou “volta à Terra” – isto é, volta para o mundo da razão, que está para além do mundo do amor – você percebe que, durante tanto tempo, agiu como bobo, sem lógica; que você foi idiota e só depois se deu conta. Coisas do amor. Culpa dele. É preciso sensibilidade para discorrer sobre isso, coisa que parece não faltar a Dolan. Ao contar a história de Francis (o próprio Dolan) e Marie (Monia Chokri) - dois amigos inseparáveis, ele gay, ela hetero – que se vêem apaixonados pelo mesmo rapaz, ele nos ensina um monte de coisas. Ou melhor, nos faz perceber coisas, como, por exemplo, de que “alguém que você coloca num pedestal está sempre certo”.

“Amores Imaginários”, em sua perspectiva, lembra “Closer – Perto Demais” (2004), dirigido por Mike Nichols e com Julia Roberts, Clive Owen, Natalie Portman e Jude Law no elenco. Ambos mostram um tanto sobre relacionamento entre pessoas, focando na intimidade, com personagens e situações com as quais o espectador se integre e se identifique. Só que “Closer” mira um público mais velho, na casa dos trinta e poucos anos.

Vejo que o jovem diretor tem muito de Woody Allen quanto à pessoalidade de seu filme. Os dois têm facilidade para dialogar com as pessoas a que se propõe, pela franqueza, inteligência e sensibilidade com que se expressam. Em  nenhum momento “Amores...” se torna vulgar: ele é, antes de tudo, poético.

Da valorização da expressão dos sentimentos que voltou à tona na sociedade ocidental principalmente a partir dos anos 50, Dolan aproveitou a trilha sonora, as cores e a câmera lenta na composição de sua obra-prima. Entre as músicas escolhidas a dedo inclui-se, por exemplo, uma canção da cantora franco-egípcia Dálida, que teve uma vida pessoal um tanto passional. As cores do figurino e dos cenários realçam tanto as estações do ano em Québec quanto o interior dos personagens. O uso constante da câmera lenta, junto com boa música e lindas cores, e planos entrecortados, aumentam a profundidade das sensações dos personagens. E nos aproximam perigosamente deles; conhecemos sua intimidade. Logo percebemos, por exemplo, que Francis é bastante sensível e Marie individualista; mas ambos inseguros. E Nicolas... bem... Marie sabe como defini-lo muito bem.

Bom... sobre o amor... sua história sempre se repete... será que é porque não conseguimos colocar o raciocínio acima dos nossos mais francos sentimentos?

O final do filme é aberto e ele não poderia terminar de melhor forma.


Cotação: êêêê (excelente)

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3 comentários

  1. Querido Mathias, muito obrigado pela indicação do filme. Eu simplesmente amei. O filme é uma verdadeira poesia em forma de imagens. Xavier Dolan está de parabéns pela obra. Ele soube fazer um filme em que as mensagens se passam muito mais pela iluminação, pelas cores, gestos, olhares, ângulos e movimentos de câmera do que pelos diálogos. A direção de atores foi espetacular. Dolan conseguiu extrair deles tudo que eles precisavam para passar a mensagem de cada cena e consequentemente de todo o filme. Poucos diretores conseguem esta façanha. Além disso, o falso documentário inserido ao longo do filme, ao invés de quebrar o ritmo da narrativa, enriquece a obra, a torna mais verossímil. Bem, apesar de ser formado em cinema, não me considero tão bom para falar de filme como tu és. Adorei o teu texto e não vejo a hora de nos encontrarmos para trocarmos idéias sobre "Amores Imaginários". Ah, estou ansioso para ler o que tu tens a dizer sobre "C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor".

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  2. Ótimos seus comentários... Complementaram e se encaixaram com o que eu quis dizer sobre o filme. Já Crazy é o próximo filme da minha lista :)

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  3. Mathias, ainda não assistir ao filme que você sabiamente expôs no seu blog. Porém, pelos seus comentários precisos e marcantes, dá para se notar que é um filme excelente e isso me motivou em querer assisti-lo brevemente.

    Como explicar o amor, a paixão?
    Isso não é possível; pois o amor está para além da razão.
    Só depois que você “cai na real” ou “volta à Terra” – isto é, volta para o mundo da razão, que está para além do mundo do amor – você percebe que, durante tanto tempo, agiu como bobo, sem lógica; que você foi idiota e só depois se deu conta. ( Trecho sensacional, realmente o amor tem dessas coisas)

    Parabéns!!!

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