Carol
(Idem). EUA,
2015. De Todd Haynes. Com Cate Blanchett e Rooney Mara. 118 min.
Excessiva preocupação com a recriação de época dá o tom
do filme
À parte o bom desempenho do elenco, o que mais chama
a atenção em "Carol" é a recriação de época. Sua história se passa
nos anos 50, nos Estados Unidos, e a todo momento o espectador é lembrado disso.
A data não é diretamente explicitada, mas é sempre sugerida: marcas e
produtos, lojas de departamentos, automóveis, músicas do perÃodo e preços em
dólar procuram situar o filme no tempo e espaço. Como se os figurinos e
cenografia já não fossem suficientes, tudo fica afetado por essa intenção, que
bombardeia o espectador. Enfim, soa desnecessário, ofuscando o principal: a
relação homoafetiva entre uma jovem balconista de loja (Rooney Mara) e uma
mulher mais velha, casada e com uma filha pequena (Cate Blanchett).
Não que haja tanto a ofuscar. A história em vários
aspectos se inspira em "Anna Karenina", transposta para os Estados
Unidos da década de 1950 e para a homossexualidade feminina. Carol é casada, rica
e mãe de uma filha pequena; mesmo nessa vida de privilégios é infeliz, porém ousa não
se submeter às convenções sociais. Seu lesbianismo é evidente. Seu encontro com
uma humilde balconista é o estopim para seu marido pedir o divórcio e a guarda
exclusiva da menina de 4 anos do casal.
Mas, claro, estamos nos anos 50 do século XX, nos
Estados Unidos, e não na Rússia czarista da segunda metade do XIX, onde se
passa o romance de Tolstoi. De qualquer modo, o casamento e divórcio entre o Conde
Karenin e Anna e o relacionamento extraconjugal desta última com o Conde
Vronsky fazem uma ponte com a "conduta moral questionável" de Carol.
Se em Anna Karenina temos o Conde Vronski, aqui temos Therese, moça com quem
Carol se apaixona e ousa seguir seu coração. Segui-lo pode separar Carol do que
mais ama: sua pequena filha — da mesma forma que Alexei Karenin quer impedir
Anna de ver seu pequeno Seryozha. Em resumo, a "conduta moral questionável"
de Anna Karenina era ter um amante, ser adúltera; a de Carol é ter uma amante, isto é, ser adúltera e lésbica.
Os tempos são outros, obviamente. Os Estados Unidos
de meados do século XX são muito mais tolerantes que a Rússia do XIX. Mas a
analogia é, além de clara, pertinente. Até porque, visto hoje — inÃcio do XXI
— a
homossexualidade não é mais um tabu no ocidente como era 60 anos atrás, época
em que se passa "Carol". Daà comparamos o escândalo perante a
sociedade que é um caso extraconjugal hetero do século XIX com um caso
extraconjugal homo do século XX.
Harge Aird, marido de Carol, é como o Conde Alexei
Karenin: sabendo que não terá o amor da esposa, procura tirar dela seu mais
precioso bem, para prejudicar sua felicidade. Anna e Carol podem ser felizes
fora do casamento e contrariar a sociedade, desde que fiquem longe de seus filhos.
Por mais que seja interessante, falta a
"Carol" vigor na direção, algo que sobra em "Azul é a Cor Mais
Quente" (2013). A direção de Todd Haynes é fria e convencional. Rende-se Ã
—
vista hoje — tacanha época.
Cotação: êê (bom)
Confira
as Indicações: atriz; atriz coadjuvante; roteiro adaptado; figurino; fotografia;
trilha sonora.
Rooney
Mara ganhou o prêmio em Cannes de melhor atriz pelo filme.
Observação:
Sarah Paulson, que faz Abby, melhor amiga e ex-namorada de Carol, interpretou
também uma lésbica na 2ª temporada de "American Horror Story".