Breve abordagem histórica de Policarpo Quaresma, Herói do Brasil



Policarpo Quaresma, Herói do Brasil. Brasil, 1998. Direção: Paulo Thiago. Roteiro: Lima Barreto (romance), Alcione Aráujo (roteiro). Comédia. Drama. Elenco: Paulo José, Giulia Gam, Othon Bastos. 120 min.


         “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil”, é uma adaptação para o cinema do romance “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, publicado por Lima Barreto (1881-1922) em 1915. Trata-se de um livro essencial para entendermos a literatura pré-modernista e a situação pela qual o Brasil passava nos primeiros anos após a Proclamação da República.

         A adaptação dirigida por Paulo Thiago muda alguns aspectos do livro. Se contestáveis do ponto de vista artístico-estético, tais mudanças não comprometem uma análise crítica do filme que leve em consideração o período histórico pela obra abarcado.



         Policarpo Quaresma, funcionário público no Rio de Janeiro e “amigo pessoal” do Marechal e Presidente Floriano Peixoto (1891-1894), é um republicano convicto e nacionalista incorrigível. Acredita no Brasil e numa identidade nacional. Para o Regime Republicano que acabava de se instalar, era fundamental para sua legitimação a busca de uma identidade coletiva, algo que unisse os brasileiros. Como vemos no texto abaixo:

“No Brasil do início da República, inexistia tal sentimento. Havia, sem dúvida, alguns elementos que em geral fazem parte de uma identidade nacional, como a unidade da língua, da religião e mesmo unidade política.
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A busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação, seria tarefa que iria perseguir a geração intelectual da Primeira República (1889-1930) (...) porque foi geral o desencanto com a obra de 1889. Os propagandistas e os principais participantes do movimento republicano rapidamente perceberam que não se tratava da república de seus sonhos...” (CARVALHO, 1990, p. 32-33)

         Mas Policarpo era um homem por demais sonhador. Pleiteou à Câmara de Deputados que o tupi fosse instituído como língua nacional; praticava alguns costumes indígenas, que, para ele, eram nossos primeiros habitantes e que representavam a “brasilidade”; após “estudo científico”, verificou ser a viola e as modinhas a expressão musical típica do brasileiro; e na força do povo brasileiro via motivo de orgulho. Funcionário do governo republicano, era ufanista quanto ao amor à pátria, mas quixotesco a ponto de ter um pé na realidade, outro fora. Em determinado momento, é levado a um sanatório após atacar o chefe de sua repartição, que lhe repreendeu por ter escrito um texto oficial em língua tupi-guarani; texto este que seu chefe despachou sem sequer ter lido.

         No Brasil de Policarpo em se plantando, tudo dá; os pobres devem ter o direito de trabalhar a terra e dela produzir, pois de nada adianta latifúndios improdutivos (“é preciso alimentar bem o povo para se construir uma nação”); as pessoas devem ter o direito de se expressar às autoridades; as mulheres a escolherem quem amam, chegando a flertar com o sufrágio feminino e o divórcio (percebemos isso em sua relação com sua afilhada Olga). Policarpo é um visionário, homem que acredita na honestidade, na educação, nas ciências, no amor à pátria.

         Após sair do hospício, compra um sítio em Minas Gerais e passa a se dedicar à agricultura. É a melhor maneira que encontra de se dedicar ao seu país. Um pedaço do sítio ele cede a agricultores pobres e inválidos, em troca de nada, contanto que produzam e lá vivam, o que já atrai ódio dos grandes proprietários, interessados no precedente que essa cessão gratuita de terra gera nas redondezas.

         Mas as pessoas que o cercam não são assim. Os civis querem a República para obter cargos públicos (determinado personagem diz que só noivará depois que conseguir uma colocação no Tribunal de Contas); os militares para melhorar seus soldos e manter o controle das instituições. Durante o tempo todo do filme percebemos maquinações entre civis e militares pelo controle do poder, algo que caracterizou os primeiros anos da República. Havia apostas sobre quem venceria: se os militares ou os civis, se Floriano completaria seu mandato ou não.

         As práticas de fraudes eleitorais também estão presentes no filme, quando Policarpo Quaresma recusa-se a aceitar, do Presidente da Câmara da Comarca onde compra um sítio, dinheiro para fraudar a votação.

         As pessoas não estavam preocupadas com o país. Estavam preocupadas em ganhar dinheiro, em conseguir cargos e promoções às custas do novo regime. É o que José Murilo de Carvalho (1990, p. 29) chama de Estadania. Todos olhavam o Estado como uma porta de salvação, diferentemente do que aconteceu nas Treze Colônias. Nestas, o Estado foi criado para a organização da sociedade e a garantia dos direitos individuais; isto é, sua burocratização se deu a posteriori, diferentemente do que aconteceu no Brasil, de tradição ibérica.

 
         O próprio Marechal Floriano Peixoto diz que precisa arrumar um jeito de pagar sua hipoteca, pois seu salário como presidente não cobre suas despesas. É, aliás, pelo amor à pátria e lealdade a Floriano que Policarpo se alista para lutar na Revolta da Armada. Após a vitória das forças de Floriano neste conflito, Policarpo é nomeado carcereiro do presídio onde ficam os derrotados. Vendo que alguns estavam sendo executados sem motivo, escreve denunciando o fato a Floriano; este interpreta a carta de Policarpo como traição e, por isso, Policarpo Quaresma é preso, e, posteriormente, fuzilado. Uma grande injustiça se faz. E assim se dá o triste fim de Policarpo Quaresma, para quem a República era uma Deusa, e a Pátria, uma Mãe.



BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p. 17-33.

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