Crítica de filme: A Vida Durante a Guerra
A Vida
Durante a Guerra (Life
During Wartime). EUA, 2009. De Todd
Solondz. Com Shirley Henderson, Allison Janney e Michael Lerner. Comédia
/ Drama. 98 min.
Com
muita expectativa aguardei assistir A
Vida Durante a Guerra. Trata-se da continuação de Felicidade, que é, para mim, uma das principais obras
cinematográficas dos anos 90. O filme é dirigido e roteirizado por Todd
Solondz, diretor ligado ao cinema independente norte-americano, crítico feroz - e
talentoso - da hipocrisia do “american way of life”. Em Felicidade, a partir de histórias conexas, o diretor e roteirista mostra
a incompatibilidade de certas pessoas com a dita “felicidade”, termo um tanto
irônico, porque vemos de tudo no filme, menos “felicidade”.
Ele
foca em três irmãs. A primeira é Trish, a tradicional mãe-de-família
norte-americana, bem-casada, com três filhos, cujo marido, porém, revela-se
pedófilo. Em seguida temos Helen, uma escritora de romances eróticos
bem-sucedida, mas frustrada por nunca ter vivenciado, na sua vida pessoal, o
sexo hardcore de seus romances – em
outras palavras, Helen escreve sobre mulheres que foram dominadas e estupradas,
mas nunca passou pela situação. A terceira, cujo nome Joy – que significa
“contente” – já é uma ironia, nunca conseguiu se casar, nunca conseguiu um bom
emprego, ocupando, enfim, o espaço de filha que não deu certo. Apesar dela ser
a fracassada da família, é a única, e talvez justamente por isso, personagem com
quem Solondz revela alguma compaixão e carinho.
Tanto
que a personagem mais maltratada, por assim dizer, é a dona-de-casa Trish,
encarnação da mediocridade da classe média norte-americana. Vive aconselhando
sua irmã Joy a arrumar um bom marido como o seu, um lar, filhos, numa falsa
comiseração com a caçula. Acredita que sua vida é perfeita e deve servir de
modelo para a irmã. É para ela que são reservadas as piores surpresas do filme.
No
elenco de 1998, temos nomes como Lara Flynn Boyle, Dylan Baker e Philip Seymour
Hoffman, o segundo como o terapeuta pedófilo e o último como o analista de
sistemas que sente prazer ligando anonimamente para mulheres e dizendo
impropriedades. É um elenco de peso acompanhado de um roteiro divertido e ácido
com direção muito bem costurada. O diretor é ótimo em passar a sensação de que
tudo está bem para, em seguida, quebrar o paradigma. Ou o contrário: de que
algo vai rolar... e não rola nada. Na primeira cena de Felicidade o rompimento é visível, quando um encontro
num restaurante termina numa constrangedora situação entre Joy e seu
pretendente.
Em
A Vida Durante a Guerra, de 2009,
Todd Solondz acompanha as três mulheres alguns anos depois. Ele optou por mudar
totalmente o elenco, mas os personagens do filme de 1998 são os mesmos. Trish
separou-se e quer casar novamente; seu marido sai da prisão; Helen torna-se uma
roteirista de sucesso; Já Joy continua na mesma: acreditando num mundo melhor,
trabalha com a recuperação de presidiários. Segue recebendo conselhos
pernósticos de sua irmã mais velha.
As
situações naturais e bem amarradas do primeiro filme tornaram-se forçadas e
mesmo sem sentido, sem porquê. Joy, por exemplo, passa a conversar com o
ex-pretendente do primeiro filme que se suicidou, sem que isso leve a algum lugar.
A discussão do filme, agora, é sobre perdoar e esquecer, e se é possível perdoarmos
sem esquecermos, ou coisa do gênero. Poderia até ser interessante, caso os enfoques
nos personagens fossem interessantes, porque, na continuação, eles viram meras
caricaturas. O filho do namorado de Trish, por exemplo, é uma caricatura total.
É um nerd, analista de sistemas, que-não-se-importa-com-nada-porque-no-final-os-chineses-vão-dominar-o-mundo.
Mesmo
assim, A Vida Durante a Guerra se dá
muita auto importância. Não seria problema, não fosse o fato de que não tem
nada a dizer. Cenografia, elenco, direção, roteiro, tudo decaiu. Os diálogos
chegam a ser ridículos, não tem naturalidade nenhuma, e várias situações são
forçadas. E a mise-en-scene é a de uma sitcom malfeita.
Enfim,
A Vida Durante a Guerra desaponta
total. Ao menos não prejudica seu antecessor Felicidade, cuja qualidade permanece intocada.
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