Crítica de filme - DANÇANDO NO ESCURO, de Lars Von Trier

Dançando no Escuro (Dancer in the Dark)


Dinamarca/França/Suécia, 2000. Direção: Lars Von Trier. Com Bjork e Catherine Deneuve. 140 min. Musical que mostra operária, imigrante nos Estados Unidos, que começa a perder a visão.


Cotação: êêêê (Excelente)


“Dançando no Escuro” é um grande filme. Todo ele foi realizado de tal maneira e envolvendo tantos aspectos da linguagem cinematográfica, ou do “fazer cinema”, de modo que o resultado é que o espectador depara-se com uma obra única e arrebatadora.

Selma, interpretada pela cantora islandesa Bjork, é uma imigrante tcheca que está ficando cega. Seu filho sofre da mesma doença dela, e por isso, Selma economiza o salário que recebe na fábrica em que trabalha para poder pagar uma operação que evite que o menino também fique cego. Imigrante de um país comunista, trabalhando duro, e ainda tendo que esconder que está ficando cega para poder manter seu emprego e salário, Selma não tem uma vida nem um pouco fácil. Um de seus poucos momentos de diversão são seus ensaios para um musical em que atuará cantando e dançando.

Os musicais são a grande paixão de Selma. São uma fuga de sua difícil realidade. Não é à-toa que no filme os números musicais surgem a partir dos momentos de dificuldade enfrentados pela protagonista. O filme assume um aspecto nitidamente metalinguístico ao tratar dos musicais, explicando-nos os conceitos que os rodeiam e seus efeitos sobre as pessoas. Os números e músicas aparecem justamente quando menos deveriam, mas o fazendo com ironia e sutileza, justamente para tentar explicar um pouco sobre os musicais e sua gênese, e mais ainda como eles “vivem” dentro das pessoa. Eles parecem surgir como uma explosão dentro de cada um, às vezes quando menos se espera; a própria protagonista em um momento diz que é isso que ela mais gosta nos musicais. “Momentos musicais”, então, fazem parte de cada pessoa, e não é senão outro motivo pelo qual o diretor Lars Von Trier resolveu se incursionar pelo gênero, tão diferente de seus filmes anteriores.

Mas, os números musicais são ao mesmo tempo carregados com o ambiente em que Selma vive: impessoal, preconceituoso, e, como tal, diminuto. O filme é brilhantemente fotografado e esta, como não poderia deixar de ser, exerce papel fundamental para que o espectador compreenda o que os personagens são e sentem, o mundo onde vivem e as idéias que o filme quer passar. 

E tantas idéias são essas... ”Dançando no Escuro” é uma voz contra a intolerância e a opressão, em especial aquela que vem da grande potência do mundo, os Estados Unidos, que insistem em vender a idéia de que são o país da liberdade e das oportunidades, em que mesmo os mais desconhecidos podem, um dia e com  esforço, dedicação e trabalho, tornar-se Presidente da República. O “sonho americano” não passa de ilusão porque o próprio sistema americano é incapaz de conhecer o amor e levá-lo em conta, ainda mais quando esse amor é aquele que vem de um estrangeiro.

As atuações ficaram propositadamente um pouco carregadas pela direção de atores, e o elenco é impecável (Bjork surpreendentemente recebeu o prêmio de melhor atriz em Cannes por sua atuação, mesmo sendo essa sua estréia no cinema). Catherine Deneuve faz o papel da melhor amiga de Selma: sua companheira de trabalho que demonstra senso de amizade, equilíbrio e justiça. Apesar de ela ser apenas coadjuvante, esse é um papel de destaque na carreira de Catherine Deneuve, porque ela se sai brilhantemente fascinante como uma operária meio durona.

O grande responsável pela força de “Dançando no Escuro” é, sem dúvida, seu diretor Lars Von Trier. O roteiro do filme não é tanto, e sim a forma arrebatadora como o diretor contou uma história e atingiu tantos pontos. Isso sem falar que a sua câmera está sempre bem enquadrada e o filme é muito bem montado, duas coisas que podemos notar não apenas quando dos números musicais, e sim ao longo de todo o filme. “Dançando no Escuro” não se parece com nada que há pelo mercado, e seu impacto sobre o espectador tende a ser grande e durável. Estamos falando de uma obra-prima, sem dúvida. Difícil imaginar o estrago que seria entregar um roteiro difícil como o deste filme a outro diretor, principalmente a algum sem tato nenhum com a multiplicidade e o desinteresse como o peculiar a Lars Von Trier. Qualquer lado é sempre compreensível; nada existe apenas para ser alvo de críticas.


Assistido em 18/07/2001, no Cinema Praia Grande.

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