Três filmes brasileiros: Irmã Dulce, Tatuagem e Trinta


Em outubro de 2014, em Brasília, assisti no cinema "Relatos Selvagens", filme argentino indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2015. Em janeiro deste ano, assisti o também argentino "O Segredo de Seus Olhos", vencedor na categoria em 2010. Surpreendi-me positivamente com a qualidade do cinema argentino e lamentei a falta de filmes nacionais de qualidade. A maioria dos filmes brasileiros em cartaz é comédia e tem relação com a Globofilmes, resultando numa linguagem telenovelística que não difere muito de um "Zorra Total".

Mas três películas brasileiras vistas no começo de fevereiro fizeram-me reavaliar nosso cinema: "Irmã Dulce", "Tatuagem" e "Trinta". Cada uma revela uma face de nosso imenso país e sua igualmente gigante diversidade cultural.

"Irmã Dulce" mostra um pouco da vida e obra do "Anjo Bom da Bahia", mulher que dedicou toda sua vida a ajudar os pobres e necessitados. É uma cinebiografia um tanto convencional, mas de qualidade: é bem produzida e a personagem-título é muito bem interpretada por Bianca Comparato (Irmã Dulce mais jovem) e Regina Braga (mais velha).

Algumas passagens caem no clichê, mas a figura simples e doce de Irmã Dulce (1914-1992) merece ser conhecida.

Interessante é a principal música do filme: "Hino a Santo Antônio", lindíssima canção que fica ainda mais bonita na voz de Maria Bethânia. Ela revela um pouco do sincretismo religioso baiano:

 


Abaixo, o refrão de uma música católica sobre Irmã Dulce, também bonita:

"Uma estrela despontou a iluminar
Bem-aventurada, por Deus toda ornada
Um anjo bom, um ser de caridade
Irmã Dulce, irmã de todo pobre"


"Tatuagem" retrata um Brasil mambembe na forma do teatro nordestino, em 1978, fins do regime militar. Uma trupe de teatro comandada por Clécio (Irandhir Santos, excelente ator, que também fez o deputado Fraga, de Tropa de Elite 2), atua no "Chão de Estrelas", apresentando performances que misturam comédia, deboche, anarquismo e filosofia. Ao grupo se juntará Fininho (Jesuíta Barbosa), jovem do exército, que logo se apaixonará por Clécio.

Não é ponto central do filme a contraposição entre o Brasil dos militares e o Brasil artístico. Vemos, sim, muitos personagens, muita arte, sexo e maconha. Os personagens são todos fora do padrão social típico - Clécio, por exemplo, é pai e é gay. Daí o filme revela um país rico em gente, inventivo, improvisador, à margem da cultura globalizada. "Tatuagem" tem nos poros a arte e o sexo. Os pontos fortes do filme são seu elenco e fotografia.

Dos três, é o único que deve ter um público menos universal. As cenas fortes de homossexualismo fazem o filme cheirar a sexo e a gente, o que não costuma atrair qualquer público.

Por fim, "Trinta" foca no início da carreira de carnavalesco de Joãosinho Trinta. Em 1973, ele assumiu às pressas e contra a vontade da comunidade o desfile da Salgueiro. O carnavalesco Fernando Pamplona, então já consagrado, havia discutido com o presidente da Escola e este escolheu o alegorista maranhense João Jorge Trinta para substituí-lo como carnavalesco. Matheus Nachtergaele encara um papel difícil que é o de Joãosinho Trinta, mas se sai bem, e o elenco inclui Milhem Cortaz, Ernani Moraes e Paulo Tiefenthaler como Fernando Pamplona.

Joãosinho desfez o enredo que Pamplona havia montado e criou um novo: "O Rei de França na Ilha da Assombração" - um enredo que fala de sua terra natal, São Luís, única capital brasileira fundada pelos franceses, repleta de lendas e mistérios de assombrações. Joãosinho inovou no carnaval carioca, ganhando, com a Salgueiro, o primeiro de seus 8 títulos, incluindo 5 títulos seguidos, de 1974 a 1978.

A trilha sonora é muito boa, não apenas por causa do samba, mas também pela música erudita - afinal, Joãosinho Trinta era bailarino clássico profissional.

Trata-se, nesse brasilzão afora, do mundo do carnaval carioca. Quem gosta de assistir os desfiles pela TV e ao vivo gostará do filme e se emocionará com o final, que mostra cenas de desfiles de cada carnaval campeão de Joãosinho Trinta.

Os melhores momentos do filme são aqueles que coincidem com a apoteose do carnaval: a explosão de stress do carnavalesco, a emoção da comunidade ao ver seu samba-enredo pronto e, enfim, o maior de todos: pôr a escola na rua e vê-la sagrar-se campeã.

Segue abaixo o belíssimo samba-enredo campeão da Salgueiro, em 1974:



 

Enfim, temos três filmes com diferentes faces do país: o Brasil católico, o mambembe - equilibrando-se numa corda bamba - e o do carnaval carioca. Todos são boas opções para quem quer conhecer mais seu país e, a partir daí, livrar-se de eventuais preconceitos.

Irmã Dulce (Brasil, 2014). De Vicente Amorim.
Cotação: êê (bom)


Tatuagem (Brasil, 2013). De Hilton Lacerda.
Cotação: êêê (ótimo)


Trinta (Brasil, 2014). De Paulo Machline.
Cotação: êêê (ótimo)


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1 comentários

  1. fiquei curiosa para assistir aos filmes. No feriado assisti aos filmes A Busca e Meu País, gostei dos dois. Gosto de filme nacional.

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