Crítica de filme: A Espinha do Diabo



A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo). Espanha/México, 2001. De: Guillermo Del Toro. Com Frederico Luppi, Marisa Paredes e Eduardo Noriega. Durante a Guerra Civil Espanhola, fantasma de menino assombra orfanato.

"A Espinha do Diabo" é um filme de terror/drama muito bom, em boa medida porque não cai na limitação de apenas mostrar a "assombração", que geralmente consiste naquele espírito/criatura/força de onde jorram medo e terror. O diretor mexicano Guillermo Del Toro caiu nessa limitação em seu filme comercial norte-americano "Mutação" (cuja "assombração" são insetos gigantes frutos de experiências químico-biológicas), resvalou no clichê e o filme, enfim, não fez lá esse sucesso. Mas aqui ele mudou e nos conta a história de um menino que, durante a Guerra Civil Espanhola de 1936-1939, é levado a um orfanato. Lá chegando, o menino encontra o fantasma de outro garoto nos porões, chamado pelos demais de "aquele que suspira".

O orfanato é mantido por um idoso intelectual e sua esposa, simpatizantes dos republicanos que, juntos, dedicam-se a cuidar de garotos órfãos de combatentes e a outras formas de lutar "pela causa".

O orfanato fica num lugar isolado, localizado numa Espanha pobre e árida. Em raríssimos momentos a ação do filme transcorre para fora do orfanato. Isso o torna perfeito para um conto de fantasma clássico.

Não é, porém, a história clássica de lugar mal-assombrado a única a dominar o filme. É ela juntamente com a guerra e seu drama real, mesmo que esta não seja mostrada pela ótica dos que estão no batalhão de frente. Essa duplicidade é a melhor qualidade do filme. Há um fantasma, mas este, como em todo o restante da película, é fruto do terror da guerra, do terror da ingratidão e da maldade, aos quais misturam-se coragem, abdicação e renúncia em prol de um ideal. O diretor mesclou o horror real com o terror clássico e criou personagens fortes, o que resultou num filme angustiante, pesado, mas com enredo bonito.

Há várias semelhanças aqui com "Os Outros", outro filme muito bom, estrelado por Nicole Kidman e dirigido pelo espanhol Alejandro Almenabár. Ambos contam histórias clássicas de espírito passadas em velhos casarões, e apóiam-se em duas coisas: roteiro bem construído e personagens fortes e bem interpretados. Passam ainda um medo de congelar os ossos, e não só sustos baratos. Constituem um "horror sério", em contraposição a filmes como "Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado", "Tentação Fatal", etc., que dominaram as bilheterias de terror da segunda metade dos anos 90 pra cá, quando rapidamente foram perdendo o fôlego e viraram auto paródia (como atesta o sucesso de "Todo Mundo em Pânico"). Na verdade, foi o estrondoso sucesso comercial e as seis indicações ao Oscar de "O Sexto Sentido" que provaram a viabilidade de produções como "A Espinha do Diabo" e "Os Outros". Mas "O Sexto Sentido" tem sérios problemas por trazer uma falsa seriedade, pois traz o descartável mascarado por uma prolixidade indesculpável e além disso falta ao filme uma maior interação entre o elenco. Por isso, pontos para "A Espinha do Diabo" e "Os Outros". Principalmente para o primeiro, que rodado fora do circuito dos grandes estúdios, deixa no espectador um sentimento de revolta e pesar, porque, nele, a gênese de um lugar mal-assombrado surge a partir de um episódio trágico mais próximo e mais social - a guerra, a pobreza, a orfandade, a cobiça - e não a partir de um episódio predominantemente familiar, como em "Os Outros".

Texto escrito em março de 2002.


Cotação: êêêê (excelente)

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