Crítica de filme - Betting on Zero
Betting on Zero (Idem). EUA, 2016. De Ted Braun. Documentário. 99 min. Investiga a
atuação da empresa Herbalife e a possibilidade dela ser um esquema de pirâmide.
Você quer ser um revendedor Herbalife?
Este
documentário disponível na Netflix é bem próximo de nós e atual. Difícil
encontrarmos alguém que não conheça ou não ouviu falar da Herbalife. É possível
que você tenha visto revendedores, talvez conheça um pessoalmente, ou, ainda,
consuma ou consumiu seus produtos. Longe de ser difícil, talvez você seja ou
tenha sido revendedor Herbalife.
Recordo
várias pessoas com o broche “Quer perder peso? Pergunte-me como”; no banco,
atendi pessoas cuja renda provinha de vendas de produtos Herbalife; além disso,
já fui convidado para uma reunião – realizada em apartamento de luxo – cujo objetivo,
tenho quase certeza, era atrair pessoas para fazer parte da força de venda da
empresa. E digo “tenho quase certeza” porque a pessoa que me convidou falou em
tom de segredo, que era um evento fechado mas muito bom, que me daria ótimas
oportunidades de fazer dinheiro com meu tempo extra, bastava investir um pouco”.
Essa é minha experiência, meu relato.
Assistir
a um documentário sobre algo que faz parte da nossa vivência é uma experiência
diferente. Não é como ver jornal na televisão e é diferente de documentários
sobre vida selvagem, lugares turísticos ou eventos históricos, que geralmente
não fazem parte do aqui e agora, isto é, as coisas não estão se desenvolvendo
aos nossos olhos. Informações e pontos de vista sobre aquilo que nos é palpável
e visível diretamente mexe conosco e nos faz questionar, tomar partido, querer
saber mais.
O
filme de Ted Braun acompanha a empresa Herbalife e toma claramente o partido de
que ela é mais um esquema de pirâmide que promoção de um produto. O produto –
shakes para perder ou ganhar peso, levar uma vida saudável, entre vários outros
– é, nesses casos, secundário. O que vale é você atrair mais pessoas para o
negócio, que se tornarão a base da pirâmide sobre você, e cujos esforços darão
em lucro para quem as atraiu. Daí aquele que está na base, para se tornar
centro e se aproximar do topo, atrairá mais pessoas para a base, que cresce
infinitamente até desabar, por não haver mais pessoas para sustentá-la. A
base, na pirâmide, é a geradora de lucro, pois os que estão imediatamente acima
faturam com as vendas daqueles todos abaixo.
Como
você entra no negócio? Comprando produtos e os revendendo. Você compra um kit de mercadorias da Herbalife e
o dinheiro que você gasta comprando, logicamente, dá dinheiro à empresa. Cabe a
você agora, vende-los e a partir daí tirar seu lucro. O que me parece ser o “X”
da questão, no caso do filme, é o fato do lucro de um esquema de pirâmide se dar
muito mais com você aumentando sua força de venda – isto é, trazendo mais
pessoas para o negócio – do que com as vendas em si. Isto é, você só vira
revendedor da Herbalife para atrair mais revendedores da Herbalife, e seu lucro
advém disso.
Pessoas
que perderam dinheiro, em sua maioria “chicanos”, são entrevistadas. Mas o foco
maior é em um gerente de investimentos, Bill Ackman, que ganha dinheiro no
mercado financeiro apostando contra companhias. Ele atua para desacreditar as
empresas, fazendo o valor de suas ações cair. Achando a Herbalife frágil,
decidiu jogar contra ela, dada suas práticas, a seu ver, duvidosas, num jogo de
centenas de milhões de dólares. Entretanto, a multinacional americana, até o
final do filme, tem combatido duro, e o resultado da guerra – vitória de Ackman
se as ações da empresa caírem a valor mínimo, caso os órgãos reguladores norte-americanos
considerem a empresa um esquema nocivo – ainda não ocorreu. Mas Ackman, percebemos, não é bobo ou cruzado anticapitalista, cujos sentimentos
foram de repente tocados por uma ética a favor dos desfavorecidos. Quer é ganhar dinheiro
para ficar mais rico do que já é e também, holofotes.
O
filme pega um universo pequeno de pessoas supostamente lesadas pela empresa. São
em sua maioria latinos, humildes e pouco instruídos, muitos ilegais no país,
sem acessos a bons postos de trabalho. Talvez aí esteja outro lado da questão,
que o filme aborda bem de canto: as pessoas entram de cabeça em algo que lhes
promete retorno fácil, sem esforço. É lógico, se você compra produtos e não os
vende, como ter lucro? Faltou, a meu ver, depoimentos mais completos dessas
pessoas, mas como diria Bezerra da Silva, “malandro é malandro, mané é mané”:
um revendedor diz que metade dos produtos a pessoa que
compra consome e a outra metade joga fora.
Logo
que vi a chamada do filme me interessei, e antes pensei comigo: “realmente,
nunca mais vi revendedores da Herbalife... será que aconteceu algo?” Pensei
então em várias outras empresas que agem de forma parecida, isto é, prometem
lucros fáceis, sem sair de casa, ou à base de venda direta... empresas de
semi-jóias e cosméticos. E pus-me a assistir. Sugiro cada um fazer o mesmo e
tirar suas próprias conclusões.
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