Má-fé
(Mauvaise
Foi). BEL/FRA, 2006. De Roschdy Zem. Com Cecile de France e Roschdy Zem.
Cotação: êêê (ótimo)
Filme é
adequado à França atual
“Má-fé” é
uma comédia romântica, gênero muito comum em
Hollywood. Mas esse filme francês
diferencia-se por seu frescor e por discutir questões caras, que passam ao
largo nas comédias românticas norte-americanas.
Clara é uma
francesa judia e Ismael, seu namorado árabe. Os dois namoram há quatro anos, e
tudo vai bem, até que a moça engravida e as diferenças étnico-culturais e o
preconceito entre franceses e árabes afloram quando decidem assumir o
relacionamento. No cinema francês, a diferença rende bem mais que no cinema
norte-americano, que explora a dicotomia mexicano-americana e a “latinização”
do país. Exemplo é “E Agora, Meu Amor?”, com Mathew Perry e Salma Hayek.
Lógico, a realidade francesa é diferente e mais séria que a norte-americana. O
país vem sendo invadido por imigrantes de países árabes e sua cultura
não-ocidental, enquanto os Estados Unidos recebem principalmente latinos,
vindos do México, El Salvador, República Dominicana, Brasil, etc. Nos
noticiários, vemos casos de discriminação dos franceses para com os imigrantes,
que descaracterizariam o país com sua aparência e costumes. Outro sinal da
atualidade do filme, passa pelo congresso francês polêmico projeto de lei que
proíbe as mulheres de usarem a burca, traje típico dos países muçulmanos mais
radicais, em lugares públicos.
As
religiões e seus dogmas e tradições são questionados na medida em que
atrapalham a felicidade das pessoas num mundo globalizado. Há espaço, entre os
mais jovens, para o ultratradicional? Não, e o título do filme é feliz na
medida em que uma fé – ou uma religião – pode prejudicar o entendimento entre
pessoas que dela não compartilham. Nesse ponto, a fé é algo má. Os rótulos e
estereótipos que a sociedade exige para as pessoas também são questionados.
Exemplo: numa família islâmica, o filho mais velho é músico, e a filha menor
joga futebol (daí ser apelidada “Ronaldinho”) – quando o normal seria o
contrário.
Em momento
nenhum o filme cai na superficialidade de que “os opostos se atraem”, armadilha
que seria fácil, ou do casamento como pré-solução para os problemas. Uma síntese
e achado ocorrem quando clara, questionada por Ismael sobre o que será do filho
deles, se ele será muçulmano, judeu ou o quê, responde: “nenhum dos dois, será
francês”. É o próprio país revendo sua identidade, mas, a partir do filme, com
otimismo, vitalidade e apoiado por ótimo e carismático elenco.
Obs.: Esse
foi um dos últimos filmes do grande ator Jean-Pierre Cassel (1932-2007) de,
entre outros, “O Discreto Charme da Burguesia”.
Assistido
no cinema Praia Grande, em São
Luís-MA, 11/11/2010.